29 de mar. de 2011

Da: Coluna Claudio Humberto

A CAMINHO DO FIM

Por Carlos Chagas
  • Semana passada o PMDB celebrou 45 anos de fundação. Nos idos de 1966, chamava-se apenas MDB, Movimento Democrático Brasileiro.
  • O parto foi difícil. O Ato Institucional número 2, editado meses antes, extinguira os antigos partidos, criando o bipartidarismo forçado.
  • Copiávamos tanto os Estados Unidos que até sua experiência política chegou pelo correio, ainda que lá apenas a natureza das coisas levasse aos partidos Republicano e Democrata, podendo existir muitos outros, se quisessem. Aqui, não. Seriam só dois, mesmo. As casuísticas regras do jogo impunham que para funcionar as agremiações necessitariam determinado número de deputados e de senadores.
  • Logo o Congresso, acuado e humilhado, forneceu montes de parlamentares ávidos de formar no partido do governo, denominado de Arena, Aliança Renovadora Nacional. Uns poucos corajosos buscaram fundar a legenda da oposição. Amaral Peixoto, Ulysses Guimarães, Tancredo Neves, Negrão de Lima, Mario Martins e outros conseguiram o número necessário de deputados, mas, na hora de fazer as contas, faltavam dois senadores.
  • Para o governo Castello Branco seria um vexame o Brasil dispor de apenas um partido, evidência a mais da ditadura que nos assolava. Sendo assim, o próprio presidente da República convocou ao seu gabinete dois leais correligionários, Rui Carneiro, da Paraíba, e José Guiomard, do Acre.
  • Diz a lenda que os dois senadores imaginaram a hipótese de ser convidados para ministros, espantando-se quando um constrangido marechal apelou para ingressarem no MDB.
  • Cumpriram a missão e foram, até o fim, dois leais servidores da oposição. Por cautela, na hora de escolherem o presidente do partido, os cardeais ditos oposicionistas foram buscar um militar. Era o senador general Oscar Passos, do Acre, herói da FEB e nem por sombra ligado ao regime anterior, de João Goulart e Leonel Brizola. Ulysses Guimarães ficou com a vice-presidência.
  • Fazendo das tripas coração, o MDB começou a atuar de forma tímida, estabelecendo-se no país o mote de que o primeiro governo militar criara dois partidos: o do “Sim” e o do “Sim senhor”!
  • Vieram as eleições parlamentares e muita gente pregava o voto em branco. Para acomodar os diversos grupos antes conflitantes e agora “revolucionários” desde criancinhas, inventaram a sublegenda, capaz de abrigar no guarda-chuva da Arena desafetos tradicionais como os egressos da UDN, do PSD, do PSP e outros partidos extintos.
  • Eram na verdade três num só, em quase todos os estados.
  • Mais eleições, quatro anos depois, elegendo-se pelo MDB um grupo jovem, infenso à acomodação dos caciques, logo chamados de “autênticos”: Marcos Freire, Fernando Lyra, Chico Pinto, Lysâneas Maciel, Paes de Andrade, Alceu Collares e mais uns poucos, como deputados, esmeravam-se em tentar fazer oposição de verdade, denunciando o arbítrio dos detentores do poder.
  • Eram tolerados, até para o governo fazer média internacional. Como Oscar Passos não se reelegeu para o Senado, passou a presidência a Ulysses Guimarães.
  • Sucederam-se Costa e Silva e Garrastazu Médici, com o país já sob o tacão do AI-5, o pior dos instrumentos de horror político.
  • Cassações às centenas, o MDB chegou a pensar na auto-dissolução, mas seguiu em frente. A farsa das eleições presidenciais indiretas deu vez ao general Ernesto Geisel, a ser “eleito” pelo Congresso, onde a Arena dispunha de dois terços dos deputados e senadores.
  • Coube aos autênticos engendrar uma reação: por que não lançar um anti-candidato, já que a lei eleitoral permitia a propaganda pelo rádio e a televisão? Aproveitariam a campanha para expor críticas e idéias.
  • Pensaram em Aliomar Baleeiro, então ministro do Supremo Tribunal Federal, que recusou. Fixaram-se em Barbosa Lima Sobrinho, presidente da ABI, que aceitou.
  • Foi quando Ulysses Guimarães, sempre presidente, reivindicou a missão, ficando o dr. Barbosa como vice. No dia do lançamento da candidatura, mais frustração: o presidente da República que saía, Garrastazu Médici, proibiu a transmissão.
  • E a surpresa das surpresas: o discurso do candidato oposicionista constituiu-se numa das mais belas peças da crônica republicana.
  • Exigiu liberdade, falou em anistia para os cassados e perseguidos e empolgou autênticos e não autênticos. “A caravela vai partir. As velas estão pandas de sonho e aladas de esperança.
  • Posto no alto da gávea pelo povo brasileiro, espero um dia poder anunciar: “alvíssaras, meu capitão! Terra à vista! À vista, a ansiada terra da liberdade!”
  • A campanha rendeu frutos, coincidindo com o desgaste dos governos militares. Nas eleições de 1974, para o Congresso, havia uma só vaga de senador por estado. Eram vinte, e o MDB elegeu dezesseis. Os caciques refugaram apresentar-se.
  • Por via das dúvidas Ulysses, Tancredo e outros preferiram continuar candidatando-se à Câmara dos Deputados.
  • O partido que selecionasse correligionários dispostos ao sacrifício, nos estados, já que o rolo compressor da Arena permanecia o mesmo.
  • Apresentaram-se Marcos Freire, por Pernambuco, Paulo Brossard, pelo Rio Grande do Sul, Roberto Saturnino, pelo Rio, Orestes Quércia, por São Paulo, Itamar Franco, por Minas, Leite Chaves, pelo Paraná, entre outros.
  • Foi uma surra memorável, para o governo, prenunciando que quatro anos depois, quando seriam duas as vagas de senador por estado, a oposição dominaria a casa. Isso se não elegesse também maioria na Câmara, credenciando-se a fazer o futuro presidente da República, pelas regras do jogo impostas pela ditadura.
  • A volta à democracia ainda estava distante e, para não perder o poder futuro, em 1977 o general Ernesto Geisel fechou o Congresso e editou o “pacote” de abril, criando o senador indireto, biônico, estabelecendo a vinculação total de votos e outros atos de arbítrio.
  • Mesmo assim, a sorte estava lançada. Geisel impôs o último general-presidente, João Figueiredo, tendo o MDB lançado outra dupla de anti-candidatos: o general Euler Bentes Monteiro e Paulo Brossard, que obviamente foram derrotados.
  • A corrente, porém, era definitiva: Figueiredo extinguiu o bipartidarismo forçado, concedeu a anistia e preparou-se para a escolha de um civil para sucedê-lo, desde que fosse da Arena, agora transformada em PDS.
  • O MDB passou a PMDB, obrigado a acrescentar o prefixo de “partido”.
  • A campanha das “diretas já”, conduzida pelo partido, eletrizou a nação, ainda que sem conquistar o número necessário de votos, no Congresso.
  • Mesmo assim, era o fim da ditadura. Passou-se para a oposição um grupo de dissidentes do partido governista, reagindo à possibilidade de Paulo Maluf tornar-se o candidato oficial.
  • Aureliano Chaves, José Sarney, Antônio Carlos Magalhães, Jorge Bornhausen e outros ajudaram a dar a vitória a Tancredo Neves.
  • Fossem as eleições diretas e o candidato seria Ulysses. Ainda indiretas, melhor o sagaz governador de Minas.
  • Sucedeu-se a tragédia, o novo presidente, fundador na Nova República, adoece na véspera da posse. Coube a Ulysses Guimarães, sempre presidente do partido, decidir que tomaria posse José Sarney, vice de Tancredo por conta da necessidade de composição com a dissidência governista.
  • Seguiram-se cinco anos de governo do cristão-novo no poder, compartilhado por Ulysses e o PMDB, que nas eleições seguintes elegeu todos os governadores, menos um, fazendo ampla maioria na Câmara e no Senado.
  • Vale parar por aqui, já que com as eleições presidenciais de 1988 o PMDB começou a desaparecer.
  • Deixou de ser o partido de luta que era, tornando-se ainda no governo Sarney o partido do fisiologismo. Do aproveitamento das benesses e das nomeações.
  • Foi moralmente minguando nos governos de Fernando Collor, Itamar Franco, Fernando Henrique e Lula. Sequer esboçou um gesto de reação quando o sociólogo impôs ao Congresso a reeleição no exercício do cargo. Apoiando governos os mais dispares, lutando por favores e vantagens, perdendo até a coragem de lançar candidatos à presidência da República, o PMDB encontra-se a caminho do fim.