Imagina Dilma vivendo na presidência a crise que Lula enfrentou em 2005. Naquele instante, como relatam personagens que acompanharam o drama do então presidente, um dos fatores fundamentais para Lula se manter de pé foi a lealdade que encontrou em seu vice, José Alencar.
Em situação semelhante Dilma teria o mesmo apoio de Michel Temer? Essa é uma pergunta que algumas pessoas do PT andaram fazendo, sem chegar a respostas tranquilizadoras.
Mas, depois de brigar muito e às vezes em público por cargos, o PMDB está empenhado em se apresentar como aliado confiável do governo. O trio que manda no partido – Sarney, Temer e Renan – decidiu dar provas disso mostrando serviço. A vítima será o deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ). Ele é conhecido pelo hábito de ameaçar prejudicar o governo em votações no Congresso para obter cargos.
Foi assim que levou Lula a aceitar suas indicações para a bilionária Furnas.
Também tem a marca, menos conhecida e igualmente esquisita, de processar jornalistas a torto e a direito, possivelmente na pretensão de manter longe do seu encalço repórteres ciosos de cumprir a missão de informar à sociedade sobre os atos dos representantes eleitos.
Ver Dilma sepultar seus sonhos de manter a mão sobre Furnas, como ocorreu semana passada, não terá sido o último revés de Cunha.
Agora, é a troica peemedebista quem ensaia um segundo movimento, destinado a reduzir sua influência na Câmara.
Os parceiros de Eduardo Cunha espalham que ele teria uma bancada própria, multipartidária e predominantemente evangélica, que poderia somar, segundo as contas mais generosas, até 20 deputados.
O instinto de sobrevivência dessa turma será submetido a duras provas. A mensagem é clara: o momento é de baixar a bola, prestigiar Dilma, seguir as lideranças certas e nem cogitar de fazer qualquer tipo de chantagem.
O filho homônimo do senador Renan, que vive os seus primeiros dias de deputado federal, participará da operação.
No calor da disputa pela presidência da Câmara dos Deputados, o ministro-chefe da Casa Civil, Antônio Palocci, convocou Valdemar Costa Neto (PR-SP) para um encontro.
Apelou para que ele convencesse o ex-líder do PR Sandro Mabel – outro que adora processar jornalistas – a abandonar a candidatura à presidência da Câmara.
Foi a primeira vez que Valdemar, um dos réus do processo do mensalão em andamento no Supremo Tribunal Federal, foi chamado ao Palácio do Planalto desde a crise política de 2005.
Bem que Valdemar tentou. Como se sabe, porém, Mabel não cedeu e obteve 106 votos (contra 375 do petista Marco Maia, o candidato vitorioso), faturando principalmente o temor dos parlamentares do baixo clero de que suas emendas ao orçamento federal venham a ser cortadas, como parte das medidas de contenção de gastos que o governo ainda anunciará.
Ele teve poucos votos entre os 40 deputados do PR e menos ainda no PSDB e no DEM (que fecharam com Maia). Mas também capitalizou a insatisfação de parte da base governista, sobretudo do PMDB, com o peso excessivo dado ao PT na distribuição dos cargos no Executivo.
Já respondendo a processo disciplinar no PR, por desacatar a orientação partidária na eleição para a Mesa da Câmara, Mabel usou na campanha duas mensagens-chave. A primeira, apresentando-se como membro da base governista. “Não sou candidato de oposição.
Eu sou mais base que o Diário Oficial”, disse ele a outros parlamentares. A segunda, acenando com alguma independência, no modelito emendas, espaço no governo e congêneres.
“Esse Congresso está agachado, precisa ter postura para negociar com o governo”, afirmou ele em outro momento.
Uma das mais célebres e certeiras frases do escritor argentino Jorge Luis Borges ensina que “dúvida é outro nome para a palavra inteligência”.
Tem muito analista político que parece não se dar conta disso. Há tantas certezas, e tão discrepantes! De um lado, há os que garantem que Dilma, com a maioria excepcional conquistada no Congresso, fará sem maiores dificuldades as reformas política e tributária.
Do outro, assegura-se que é quase nenhuma a chance de as duas reformas prosperarem nos próximos quatro anos.
Loucura, né? E a verdade é que, por enquanto, não dá pra ter certeza de nada. Pode-se, claro, chutar e eventualmente o chute dar certo, possibilitando ao sujeito se vangloriar depois da qualidade de suas análises.
Mal comparando, é como se vivêssemos agora o início de uma festa.
Dilma e o Congresso tomaram posse, mas a pauta legislativa até aqui ficou restrita, literalmente, à discussão do mínimo.
Os convidados estão chegando, a música tá rolando, mas as pessoas ainda não se soltaram, o melhor da balada está longe de começar.